terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O Marx Desconhecido - Martin Nicolaus

Ao fazer uma avaliação da sua carreira intelectual, em 1859, Marx relegou à obscuridade bem merecida todas as suas obras anteriores, com exceção de quatro: A Miséria da Filosofia (1847) expunha, pela primeira vez, os pontos decisivos da sua opinião científica, embora de forma polêmica, escreveu; e deixou transparecer que o mesmo se aplicava ao Manifesto do Partido Comunista (1848), o Discurso sobre O Livre Comércio do mesmo ano, e uma série incompleta de artigos para jornais, intitulada Trabalho Assalariado e Capital, publicada em 1849. Não mencionou os Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1844) A Sagrada Família e as Teses sobre Feuerbach (1845), e referiu-se ao manuscrito A Ideologia Alemã (1846), sem citar o seu título, como um trabalho que ele e Engels deixaram com alegria para os ratos.1 Três anos antes da sua morte, quando foi consultado sobre a possível publicação da sua obra completa, consta que respondeu secamente: "Precisa ser escrita antes".2
Portanto, Marx viu a maioria dos seus primeiros trabalhos — que despertaram tanto entusiasmo nos intérpretes contemporâneos — com ceticismo, quase com rejeição, e no fim da sua vida reconhecia que os trabalhos apresentados, ou por apresentar, eram meros fragmentos.

A publicação dos Grundrisse

Apenas uma vez na sua vida Marx falou com satisfação sobre um dos seus trabalhos. Apenas uma vez anunciou ter escrito algo que, não só compreendia a totalidade das suas opiniões mas que as apresentava de modo científico. Foi quando escreveu o Prefácio à Crítica da Economia Política (1859), uma obra que permaneceu como um fragmento, devido a dificuldades com o editor. Apenas dois capítulos da Crítica chegaram ao público, mas o seu conteúdo, embora importante, não justificava asafirmações feitas no Prefácio. O Prefácio apresenta, em linhas gerais, uma visão de mundo abrangente, um conjunto de doutrinas científicas, que explicam o movimento da história nas suas dimensões sociológica, política e econômica, e demonstra como e porque a atual organização da sociedade deverá sofrer um colapso devido à tensão dos conflitos internos, para ser substituída por uma ordem mais elevada da civilização. Os capítulos publicados, entretanto, não têm essa amplitude, e o aparecimento de uma nova ordem não pode ser deduzido necessariamente do seu conteúdo. Tratam de questões económicas bastante técnicas e prometem um caminho longo e árduo, sem um objetivo à vista. Sobre o que estaria Marx falando, então, no seu Prefácio? Estaria apresentando teorias ainda não construídas, idéias que ainda não tinha exposto ou escrito?
Até 1939 essas questões eram um "mistério". A generalização ousada do Prefácio podia ser identificada com as afirmações gerais e igualmente ousadas do livro A Miséria da Filosofia e do Manifesto; os volumes do Capital contêm ecos parecidos, ainda polêmicos e gerais. Porém, era difícil, se não impossível encontrar no Capital as respostas às questões mais importantes que o Prefácio anuncia como resolvidas teoricamente, especialmente como e porquê a ordem social capitalista seria um dia dissolvida. Rosa Luxemburgo escreveu sua obra A Acumulação do Capital (1912) exatamente com o propósito de preencher essa lacuna nos trabalhos inacabados de Marx,3 acirrando ainda mais os ânimos de uma polêmica intrapartidária cujos reflexos ainda iluminam a cena atual. Por que o manuscrito sobre o qual Marx escreveu o Prefácio, em 1859, permaneceu desconhecido até o começo da segunda guerra mundial, é ainda um mistério; de qualquer modo, em 1939. o Instituto Marx-Engels-Lenin, de Moscou retirou dos seus arquivos, e publicou, um enorme volume contendo os manuscritos de Marx sobre economia, de 1857-68. Seguiu-se um segundo volume, dois anos mais tarde; e em 1953 os editores Dietz de Berlin republicaram os dois volumes em um só. Chamado Grundrisse der Kritik der Politischen Okonomie (Rohentwurf) — Fundamentos da Crítica da Economia Política (Esboço) — e publicado com passagens importantes extraídas dos apontamentos de Marx, de 1850-51, essa obra, finalmente permite um exame do material resumido e anunciado no Prefácio.4

Os Grundrisse têm sido estudados desde a sua publicação, embora a sua importância não seja apreciada devidamente. Coligido, a princípio, como material interessante para a reconstrução da gênese do Capital, a obra vegetou por muito tempo nos subterrâneos marxológicos).5 Eric Hobsbawn fez uma introdução a uma pequena parte, especialmente as passagens históricas, publicadas como Formações Econômicas Pré-Capitalistas, em 1965.6 Mais recentemente apareceram trechos isolados nos trabalhos de André Gorz e de Herbert Marcuse.7 Aparentemente essas citações aguçaram o apetite de um grande número de intelectuais, especialmente na amorfa Nova Esquerda, para conhecer esse trabalho até então desconhecido, embora tão importante. Uma tradução francesa da primeira parte, foi publicada este ano, mas os leitores de língua inglesa terão de esperar ainda.8 Não se conhecem planos definidos pura a tradução para o inglês.
De qualquer modo, o trabalho tem significado sem paralelos. Os frutos de quinze anos de pesquisa econômica, os melhores anos da vida de Marx, estão contidos nessas páginas. Marx não o considerava apenas como um trabalho que destruía as doutrinas centrais de toda a economia política existente, mas também a primeira afirmação realmente científica da causa revolucionária.9 Embora não pudesse saber, na época, seria o único trabalho no qual a sua teoria do capitalismo, desde as origens até a sua queda, estava delineada na sua totalidade. Por mais obscuro e fragmentado que sejam os Grundrisse, pode ser considerado a única obra completa de Marx sobre economia política.

Marx e a ênfase sabre o mercado

Os Grundrisse representam o topo da montanha, após uma escalada longa e difícil. Marx tinha publicado o que considerava o primeiro dos seus trabalhos científicos, A Miséria da Filosofia, dez anos antes; e só publicou o primeiro volume do Capital dez anos depois. Para compreender o significado dos Grundrisse é necessário estudar o que Marx escreveu sobre economia, antes dele.
Imediatamente após terminar sua crítica da filosofia do direito de Hegel, na qual concluía que a anatomia da sociedade não estava na filosofia, Marx começou a ler os economistas políticos. Naturalmente foi precedido neste projeto, e dirigido, pelo jovem Engels, que tinha publicado Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie, no jornal de Marx e Ruge Deutsch-Französische Jahrbücher do mesmo ano, 1844. No seu artigo, Engels argumentava que o desenvolvimento da economia burguesa no último século, bem como o desenvolvimento da teoria econômica correspondente, podia ser definida como uma longa, continua e crescente afronta a todos os princípios fundamentais da moralidade e da decência, e que se não fosse instituída imediatamente uma ordem racional, um sistema de moralidade e decência, ocorreriam revoluções muito em breve. A maior força do ataque de Engels dirigia-se ao que ele considerava o princípio fundamental da economia burguesa, ou seja, a instituição do mercado. Todos os elos morais da sociedade tinham sido cortados pela conversão dos valores humanos em valor de troca; todos os princípios da ética derrubados pelos princípios da competição; e todas as leis existentes, até as leis que regulavam os nascimentos e as mortes dos seres humanos, tinham sido substituídas pelas leis da oferta e da procura. A própria humanidade tinha se tornado uma utilidade de mercado.10
Esta linha de pensamento foi adotada por Marx, com uma diferença importante, nos seus trabalhos sobre economia de 1844 a 1849. A diferença é que (como é evidente desde os Manuscritos de 1844) Marx imediatamente rejeitou o moralismo unilateral de Engels, substituindo-o pela dialética. Deixou de lado os imperativos categóricos, que se podia entrever na obra de Engels. A competição e o mercado, escreveu não eram tanto uma afronta à moralidade, quanto uma fragmentação da espécie humana. Dentro da sociedade baseada na propriedade privada, os produtos do trabalho humano não pertencem ao trabalhador, para que possa tirar proveito do mesmo; tornam-se propriedade de pessoas alheias e são usados para oprimi-lo. O sintoma mais evidente deste fato, escreveu Marx, é que o trabalhador não produz as coisas de que ele próprio mais precisa, e sim os produtos que alcançarão o mais alto valor de troca para seus proprietários. Assim, o processo de criação material é fragmentado, e o produto é dividido em valor de uso e valor de troca, dos quais apenas o último é importante. "A consideração de divisão do trabalho e troca é muito importante, uma vez que é a expressão perceptível e alienada da atividade e da capacidade humana..."11 Em resumo, partindo de um ponto filosófico completamente diferente, Marx chegou à mesma perspectiva crítica de Engels, ou seja que o ponto principal da sociedade burguesa estava na competição, oferta e procura, enfim, no mercado; ou seja no seu sistema de intercâmbio.
A noção de alienação (como uma categoria econômica) contém as sementes de uma antevisão diferente, que só apareceu realmente quando da publicação dos Grundrisse, como veremos. Entretanto, Marx continuou, com a maioria dos seus colegas intelectuais radicais, a atacar a soberania da competição. Sua polêmica contra Proudhon (A Miséria da Filosofia) demonstra o quanto discordava daquele luminar em quase todos os assuntos relativos à economia e à filosofia, especialmente tudo o que dizia respeito às instituições de intercâmbio e de competição na sociedade burguesa, com exceção de um conceito: que a competição é básica.12 Se os burgueses abolirem a competição, para substitui-la pelo monopólio, apenas acentuarão a competição entre os trabalhadores. No Manifesto, Marx escreve: "A condição essencial para a existência e para controle da classe burguesa, é a formação e o aumento do capital; a condição para o capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado apoia-se exclusivamente na competição entre os trabalhadores".13 De onde Marx conclui que, se os trabalhadores conseguirem, formando associações, eliminar a competição entre si, então "as próprias bases sobre as quais a burguesia produz e se apropria dos produtos" serão demolidas. No Discurso Sobre o Livre Comércio, o mesmo tema volta a aparecer: se o desenvolvimento industrial fracassar, os trabalhadores ficarão sem trabalho e seus salários cairão; se a indústria crescer, os trabalhadores gozarão uma alta momentânea, para serem novamente destituídos, quando a máquina tomar o seu lugar.14 Aqui, como no Trabalho Assalariado e Capital, a "lei" de Marx segundo a qual os salários devem sempre tender para o mínimo absoluto necessário para conservar a mera subsistência do trabalhador, origina-se diretamente dos princípios da oferta e da procura, com o pressuposto adicional de que o suprimento do trabalho deve sempre exceder a demanda.15 Encontramos nessas afirmativas sugestões de outros processos em funcionamento, mas as únicas doutrinas elaboradas sistematicamente são as que analiticamente extraem o curso futuro do capitalismo e o papel da classe trabalhadora do mecanismo competitivo, da forma do mercado para a mercadoria, e trabalho. A economia da troca e do dinheiro constitui o ponto central do estudo de Marx.

Da competição à produção

O ponto mais importante a ser esclarecido sobre o lugar que os Grundrisse ocupam no desenvolvimento intelectual de Marx, é que representam uma crítica de todas as idéias então existentes sobre o assunto. "Crítica" não significa "rejeição"; especialmente neste caso, significa a penetração em um nível mais profundo. O grande avanço representado pelos Grundrisse no pensamento de Marx está no fato de rejeitar, por sua superficialidade, a tese de que o mecanismo do mercado é um fator motivador, causal ou fundamental; e no reconhecimento de que o mercado é apenas um aparelho para coordenar os vários momentos isolados de um processo muito mais fundamental do que a troca. Enquanto que a economia inicial de Marx tinha como centro movimento de competição nos Grundrisse, ele analisa sistematicamente, e pela primeira vez em seu trabalho, a economia da produção.
Antes de examinarmos o texto mais detalhadamente, daremos alguns exemplos para situar o assunto.

1. A diferença mais evidente entre a teoria econômica de Marx, anterior a 1850 e a teoria posterior a essa data é uma alteração na terminologia. Antes, Marx refere-se à mercadoria que o trabalhador oferece, como "trabalho", e torna claro que essa mercadoria, ou bem de consumo é exatamente igual a qualquer outra. Se considerarmos a sociedade burguesa exclusivamente como um sistema de mercados, esta definição é verdadeira. Nos Grundrisse e, mais tarde, entretanto, Marx chega à conclusão de que o trabalho não é uma mercadoria como qualquer outra, que é na realidade único, e que a mercadoria vendida pelo trabalhador deve ser chamada "força de trabalho". Em edições posteriores dos primeiros trabalhos sobre economia, Marx e Engels alterararn a terminologia de acordo com o novo ponto de vista, e em vários prefácios indicam a razão para tal, e a importância da mudança.16

2. Nas primeiras obras sobre economia, o curso do desenvolvimento do capitalismo deriva-se analiticamente, como já foi dito, do movimento de oferta e procura. Comparemos essa afirmação com a declaração decisiva de Marx, cm diversos trechos do Capital de que os mecanismos de competição "mostram tudo de trás para a frente"17 e as deduções analíticas sobre oferta e procura são superficiais, e até mesmo contraditórias em relação aos processos ocultos, mas essenciais, da produção capitalista e da acumulação. As bases intelectuais para essas últimas afirmações do Capital estão explicadas nos Grundrisse.

3. Finalmente, podemos ter uma visão geral do progresso analítico representado pelos Grundrisse revendo a atitude de Marx para com Ricardo, especialmente para com a teoria do excedente de Ricardo. Na época do seu primeiro encontro com Ricardo e com o excedente, em 1844, Marx notou apenas que a ênfase que esse autor colocava no excedente provava que o lucro, e não os seres humanos, era a preocupação principal da economia burguesa, e que essa teoria é a prova decisiva da infâmia na qual a economia política se afundou.18 No livro A Miséria da Filosofia, (1847), Ricardo é tratado com mais respeito, e Marx faz uma longa citação do socialista inglês Bray, que usa a teoria do excedente de Ricardo, para provar a exploração da classe trabalhadora. Porém. Marx não cita Bray para enfatizar a importância fundamental dessa teoria, mas apenas para criticar certas deduções derivadas dela.19 Assim também, em Trabalho Assalariado e Capital, Marx simplesmente refere-se à tese de Ricardo, segundo a qual o produto do trabalho vale mais do que a reprodução do trabalhador, porém sem analisá-la a fundo.20 Evidentemente Marx está consciente da existência do excedente, mas não percebeu ainda as implicações do mesmo para a teoria econômica; a teoria não é o centro da sua análise, mas coexiste passivaniente com a análise da oferta e da procura, e à sombra desta. Ao reiniciar seus estudos econômicos, em 1850, Marx dedicou-se ao estudo de Ricardo e passou pelo menos dois anos estudando os detalhes da sua teoria. Suas notas desse período, anexadas ao texto do Grundrisse pelos editores, demonstram que a teoria do excedente, de Ricardo começa a ser revelada a Marx com as suas reais implicações.21 Finalmente, nos Grundrisse, embora Marx critique Ricardo em muitos pontos, trata-o com respeito, denominando-o o "economista da produção, por excelência".22 Esta mudança gradual de atitude corresponde e reflete o crescente interesse de Marx pela importância da teoria do valor excedente, sobre a qual baseia toda a sua teoria da acumulação capitalista, nos Grundrisse.
Como qualquer exercício de estática comparativa, esses exemplos de antes/depois podem dar origem à idéia errônea de que a aplicação dos conceitos de Ricardo transformaram Marx, da noite para o dia, de um teórico da oferta e da procura em um acumulacionista do excedente. A mudança foi muito mais gradual; existem elementos da teoria do excedente, como já foi dito, espalhados pelos seus primeiros trabalhos, e suas últimas obras não negam de modo algum a importância dos mecanismos de competição, muito ao contrário. Essas sutilezas não devem obscurecer o fato de que ocorreu uma brecha qualitativa sob a superfície da análise baseada no mercado, e que essa brecha constitui o principal problema analítico tratado nos Grundrisse.
 
A cadeia social do dinheiro

Embora insignificante em detalhe, a maior estrutura do texto do Grundrisse move-se na direção da solução de problemas claramente definidos. Após uma introdução brilhante e inacabada — sobre a qual não nos deteremos — o trabalho consiste de dois capítulos, o primeiro sobre o dinheiro (pp. 32-149) e o segundo, mais longo, sobre o capital (pp. 150-764). Este último é subdividido em três partes, tratando respectivamente da produção, circulação e a transformação do excedente em lucro. Os problemas e assuntos tratados no texto, porém, não se limitam exclusivamente à economia, como os títulos dos capítulos parecem demonstrar. Aqui, como em toda a sua obra — porém talvez mais nos Grundrisse – a "economia" de Marx é ao mesmo tempo "sociologia" e "política". Isso se torna patente logo no primeiro capítulo.
Em um certo nível, o capítulo sobre dinheiro é uma polêmica contra o plano de reforma monetária, proposto por Alfred Darimon, um discípulo de Proudhon, e portanto amargo oponente de Marx. A um nível mais ou menos superficial, é apenas um tratado sobre o dinheiro, e pode ser interpretado como o primeiro esboço da teoria monetária de Marx, que aparece na Crítica. Entretanto, o seu aspecto mais importante é a critica sociológica e política de uma sociedade cm que o dinheiro é o meio predominante de intercâmbio. Sob quais circunstâncias históricas pode o dinheiro transformar-se em abstração dos valores de troca, e os valores de troca transformarem-se na abstração de todas as formas de intercâmbio? Quais as pré-condições sociais para que o dinheiro possa funcionar como uma ligação entre os indivíduos envolvidos nas relações de troca? Quais as conseqüências sociais e políticas dessa forma de relação de intercâmbio? Quais as formas amplas de organização social que correspondem a esta constelação molecular de indivíduos envolvidos no intercâmbio privado? Esses os problemas com os quais Marx se preocupava, bem como Sombart, Weber. Simmel e Tönnies, que meio século mais tarde investigaram os efeitos da troca monetária sobre a sociedade. Marx escreve:


"A conversibilidade de todos os produtos e atividades em valor de troca pressupõe a dissolução de todas as relações pessoais fixas (históricas) de dependência na produção, e pressupõe a dependência universal de todos os produtores entre si. A produção de cada indivíduo é dependente da produção dos outras, e a conversão dos seus produtos em artigos para seu consumo tornou-se dependente do consumo dos outros. Os preços, em si mesmos são antigos, sob o ponto de vista de intercâmbio; porém a crescente determinação dos preços, de acordo com o custo da produção, e o papel cada vez mais importante do intercâmbio entre todas as relações de produção são coisas que se desenvolvem primeiramente, e continuam a se desenvolver dentro da sociedade burguesa, a sociedade de livre competição. Relegados por Adam Smith, à moda do século dezoito, ao período pré-histórico. esse desenvolvimento é na verdade o produto da história. A dependência recíproca pode ser observada na necessidade constante do intercâmbio, e no fato do valor de troca ser o seu meio universal. Os economistas colocam isto da seguinte maneira: todos procuram seus interesses particulares, e apenas os seus interesses particulares, e assim, sem saber e sem querer, todos servem aos interesses particulares de todos. O ponto não é que, seguindo seus interesses privados, todos alcançam a totalidade desses interesses, ou seja o interesse coletivo. Pode-se concluir, deste slogan abstrato que todos bloqueiam os interesses de todos, de modo que, em lugar de uma afirmação geral, esta guerra de todos contra todos produz uma negação geral. Na verdade, o interesse privado é, em si mesmo um interesse socialmente determinado, que pode ser realizado dentro de algumas condições socialmente determinadas e usando meios socialmente determinados, que é, portanto dependente da reprodução dessas condições e meios. É o interesse de uma pessoa privada; mas sua forma e conteúdo e meios de realização são determinados por condições sociais, independentes do indivíduo.
Esta dependência recíproca universal entre os indivíduos que são (em todos os outros sentidos) indiferentes uns aos outros forma os seus elos sociais. Esse elo social é expresso em valor de troca, dinheiro. Os indivíduos levam seu poder social e sua ligação com a sociedade dentro do bolso...
Todos os indivíduos possuem poder social sob a forma de um objeto, uma coisa. Se for retirado dessa coisa o seu valor social, este poder sobre as pessoas deverá ser investido em pessoas.
As relações de dependência pessoal... são as primeiras formas de organização social nas quais os poderes produtivos da homem estão pouco desenvolvidos, e apenas em pontos isolados. A independência pessoal, baseada na dependência das coisas, é a segunda grande forma, que pela primeira vez permite o desenvolvimento de um sistema de intercâmbio social universal, relações universais, necessidades universais e riqueza universal. A livre individualidade, baseada no desenvolvimento universal dos indivíduos e no seu domínio coletivo sobre os poderes produtivos e riqueza comuns, representa o terceiro estágio. O segundo cria as pré-condições para o terceiro."23

Vemos aqui a interpretação das categorias econômicas, políticas e sociais plenamente desenvolvida. Seja o que for que Marx tenha a dizer sobre as flutuações especificas do valor monetário, ou sobre os efeitos do metalismo ou do papel moeda, nada tem tanta importância para o seu sistema de idéias quando a tese fundamental, acima expressa, de que o dinheiro é um objeto que representa um certo tipo de relacionamento historicamente produzido entre os seres humanos. O dinheiro é o elo social; isto é, ele une e governa reciprocamente as mais variadas atividades de indivíduos que, de outra forma seriam isolados. Aquele que possui este elo social objetivado pode dominar a atividade dos outros; representa o próprio elo social e pode assim agir na capacidade de representante da generalidade, da coletividade, governando as atividades dos indivíduos dentro da sociedade.

O intercâmbio igual que reproduz a desigualdade
 
Até aqui, a análise de Marx formula de forma clara e incisiva as idéias sobre o intercâmbio alienado, feita por ele nos Manuscritos de 1844. Contudo, em uma seção breve, que introduz o capitulo sobre o capital, Marx vai muito além da sua análise inicial. Não se detém para lamentar a alienação dos indivíduos entre si, e de si mesmos, que é um resultado das relações de intercâmbio da sociedade burguesa, mas passa a estudar essa forma de relacionamento, a partir de uma perspectiva histórica e política. Um ponto básico é a comparação entre as relações burguesas com as relações feudais. Afinal de contas, o estabelecimento revolucionário da burguesia trouxe a emancipação política do indivíduo dos vínculos da dominação estatutária, e alterou a organização política transformando-a, de uma cadeia fechada de privilégio hereditário, e portanto de servidão, em um local de mercado livre para a contratação livre de adultos. O trabalhador já não está mais ligado ao seu amo para o resto da vida, nem existem leis destinadas a exigir das classes laboriosas um dízimo crescente. O mercador que vende, e a dona de casa que compra o pão; o empresário que compra, e o trabalhador que vende horas de trabalho — são todos pessoas livres, realizando a troca livre de equivalentes. Esta é uma linha de argumento que os socialistas do tempo de Marx, pelo menos segundo a sua estimativa, não podiam refutar sistematicamente. Enquanto o socialista opunha-se à sociedade competitiva, a relação do mercado e o nexo do dinheiro, os ideólogos burgueses contentavam-se em responder elogiando essas mesmas condições como as bases da liberdade política.24


"Nessas formas simples de relação-monetária, todas as contradições imanentes da sociedade burguesa parecem se extinguir, e por isso os democratas burgueses protegem-se com elas.., para justificar o relacionamento econômico existente. Na verdade, enquanto um bem de consumo ou o trabalho são vistos apenas como valor de troca, e as relações entre eles são vistas apenas como relações de troca, como fatores de equilíbrio desses valores de troca, os indivíduos, os sujeitos entre os quais o processo tem lugar, são apenas parceiros no intercâmbio. Não há nenhuma diferença formal entre eles... Cada sujeito é um sócio no intercâmbio; isto é, cada um deles relaciona-se com o outro da mesma forma que cada um se relaciona com o intercâmbio. Assim, como sujeitos do intercâmbio, esse relacionamento é de igualdade. É impossível encontrar um traço de distinção, menos ainda de contradição entre eles, nem mesmo uma diferença. Além disso, os bens de consumo que trocam entre si são, na qualidade de valores de troca, equivalentes; ou pelo menos são contados como equivalentes. (Quando muito pode haver um erro subjetivo na sua avaliação recíproca, e na medida em que um indivíduo consiga uma vantagem sobre outro isto não está na natureza da função social que os aproxima, pois essa função é idêntica para ambos, e dentro dela eles são iguais. Seria mais o resultado de perspicácia natural, persuasão, etc., em suma, o resultado depura superioridade individual de um indivíduo sobre o outro...) Assim, se um indivíduo acumula riqueza, e o outro não, nenhum deles o está fazendo à custa da outro... Se um se torna mais pobre e o outro mais rico, é por sua vontade, e de modo nenhum o resultado da relação econômica, ou da situação econômica dentro da qual se encontram."25

O argumento que Marx atribui a um imaginário antagonista burguês é bastante esclarecedor. Pois é verdade que o trabalhador, ao vender o trabalho, e o capitalista, ao pagar o salário, estão efetuando uma troca recíproca de mercadorias de igual valor — isto é, se o intercâmbio for uma troca de equivalentes — então a estrutura de classes capitalista relaciona-se apenas acidentalmente com o sistema econômico capitalista. O rico fica mais rico, não por uma necessidade estrutural inerente, mas pelo acidente de melhor julgamento e persuasão. Nem é a existência histórica da classe capitalista responsável pelo fato do trabalhador não receber o valor total em troca do seu trabalho. Se fosse esse o caso, se o capitalista pagasse ao trabalhador menos do que o equivalente pelo seu trabalho, então o capitalista só poderia ganhar na medida em que o trabalhador perdesse, mas não mais do que isso. O capitalista, como comprador, e o trabalhador como vendedor do trabalho só poderão prejudicar um ao outro na medida em que duas nações podem se prejudicar no mercado exterior; se uma paga sempre à outra menos do que o valor total, uma poderá ficar mais rica e a outra mais pobre, mas a riqueza total das duas, juntas, não poderá ser maior, no fim do que no começo do intercâmbio (pelo menos os mercantilistas pensam assim). É evidente que esse processo não pode continuar por muito tempo e em grande escala; logo, a parte prejudicada será extinta. O problema que deve ser resolvido é o seguinte: porque, se o trabalhador recebe o valor total de troca da sua mercadoria, como existe um excedente do qual a classe capitalista vive? Como pode o trabalhador não ser enganado no contrato salarial, e ser explorado? Qual é a origem do valor excedente? Esta é a questão à qual Marx dedica as primeiras cem páginas do capítulo sobre o capital.

O aparecimento do valor excedente
 
Após uma revisão sistemática das primeiras formas de capital (capital comercial ou dinheiro), e depois de colocar o problema na perspectiva histórica, Marx faz um sumário da análise, condensando o processo da produção capitalista em dois componentes fundamentais, ou dois elementos básicos:


1. O trabalhador dá a sua mercadoria, o trabalho, que tem um valor de uso e um preço, como todas as outras mercadorias, e recebe, em troca uma certa soma do valor de troca, uma certa soma de dinheiro, do capitalista. 2. O capitalista troca o trabalho, trabalho como valor de atividade, como trabalho produtivo; isto é, troca a força produtiva que mantém e multiplica o capital, e que se torna assim a força produtiva e reprodutiva do capital, uma força que pertence ao próprio capital.26

Analisando, o primeiro processo de troca parece claramente compreensível; Marx diz simplesmente que o trabalhador dá o trabalho e recebe salário em troca. Porém, o segundo processo não parece uma troca; até mesmo a estrutura gramatical é assimétrica e unilateral. Esse é exatamente o ponto, escreve Marx. Numa transação comum de troca, o que cada um faz com a mercadoria que recebe é irrelevante para a estrutura do intercâmbio. O vendedor não se importa se o comprador usa ou não o que comprou para uma atividade produtiva; é um assunto que não lhe diz respeito e não tem nenhuma importância econômica para o processo de troca puro e simples. No caso especifico da "troca" de trabalho por salário, entretanto, o uso que o comprador faz do que comprou é da maior importância para ele, não apenas como indivíduo, mas na sua capacidade de homo oeconomicus. O capitalista dá o salário (valor de troca) pelo uso do trabalho (por seu valor de uso) apenas para converter esse valor de uso em valor de troca adicional.


"Aqui... o valor de uso da coisa recebida em troca aparece como uma relação econômica especifica, e o uso específico dado à coisa comprada forma o objetivo último dos dois processos (1 e 2 acima). Assim, a troca entre trabalho e capital é formalmente diferente da troca comum; são dois processos diferentes... No intercâmbio de trabalho c capital, o primeiro atua como uma troca e pode ser classificado totalmente como circulação comum; o segundo processo é qualitativamente diferente da troca, e chamá-lo de troca é um erro. Este processo é diretamente oposto ao processo de troca; pertence a uma categoria totalmente diversa".27

Após algumas digressões, Marx passa a examinar esta "categoria essencialmente diferente" com detalhes. Abordando a questão, a partir da distinção entre o valor de uso e o valor de troca da mercadoria trabalho, atua que o valor de troca do trabalho é determinado pelo valor das mercadorias e dos serviços necessários para manter e reproduzir o trabalhador. Desde que o capitalista pague ao trabalhador salários bastante altos para que o mesmo possa continuar vivendo e trabalhando, está pagando o valor total do trabalho, e a relação de troca definida no contrato salarial é uma relação de equivalência. O capitalista terá pago o valor de troca total e justo da mercadoria. Porém, o que ele comprou, na realidade, foi um certo número de horas de controle e disponibilidade da atividade produtiva do trabalhador, da sua capacidade de criar, sua capacidade de trabalho. E aqui Marx introduz pela primeira vez a mudança de terminologia que corresponde à sua descoberta da "categoria essencialmente diferente". O que o trabalhador vende não é o "trabalho", mas a "força de trabalho" (Arbeitskraft); não uma mercadoria como qualquer outra, mas uma mercadoria única.28 Só o trabalho pode criar valores onde não existiam, ou criar valores maiores do que os necessários para se manter. Só o trabalho, em suma, pode criar o valor excedente. O capitalista compra o controle sobre esse poder criativo, e comanda esse poder para a produção de mercadoria para troca, durante um certo número de horas. A entrega desse controle sobre o seu poder criativo ao capitalista, feita pelo trabalhador, é o que Marx chama de exploração.
Não vamos rever em detalhe a teoria de Marx sobre o valor excedente, da qual as idéias aqui formuladas são a pedra fundamental. Basta dizer que Marx começa, não só a resolver o problema de como a exploração ocorre, apesar do fato de ser o contrato salarial uma troca de equivalentes, mas começa também o trabalho científico essencial de quantificação. Para Marx, a exploração é um processo que pode ser verificado em variáveis empíricas que, pelo menos em principio, são sujeitas a medidas precisas, dentro da dimensão econômica. As variáveis que Marx nos indica para essa medida, porém, não são as geralmente citadas nos estudos sobre a sua teoria. A exploração não consiste na desproporção entre a renda da classe trabalhadora e a renda da classe capitalista; essas variáveis medem apenas a desproporção entre salário e lucro. Uma vez que os lucros são apenas uma fração do valor excedente, como um todo, esse índice indicaria apenas uma fração daquilo a que Marx se refere. A exploração também não é medida pela razão do salário, como uma porcentagem de produto nacional bruto; esse índice mede apenas a exploração de um determinado ano. Talvez com mais clareza do que em outra obra, Marx afirma nos Grundrisse que o empobrecimento do trabalhador deve ser medido pelo poder de todas as partes do mundo que ele constrói seguindo as especificações do capitalista: "inevitavelmente, ele empobrece a si mesmo... porque o poder criativo de seu trabalho coloca-se em oposição a ele, como o poder estranho do capital...Assim, todo o progresso da civilização, ou em outras palavras, todo aumento do poder produtivo da sociedade, ou ainda, do poder produtivo do próprio trabalho — resultante da ciência, das invenções, divisão e organização do trabalho, aperfeiçoamento das comunicações, criação do mercado mundial, maquinaria, e assim por diante — não enriquece o trabalhador, mas o capital, aumentando assim o poder que domina o trabalho".29
Um índice da exploração e do empobrecimento que define as variáveis citadas por Marx, portanto, teria de colocar, de um lado a propriedade em valor líquido em mãos da classe trabalhadora, e do outro, o valor de todo o capital de todas as fábricas, mercadorias, investimentos de infra-estrutura, instituições e estabelecimentos militares, que estão sob o controle da classe capitalista e que servem aos seus objetivos políticos. Não apenas o valor econômico, mas também o poder político e a influência social desses bens deveriam ser incluídos na equação. Apenas uma estatística desse tipo seria adequada para provar se a predição de Marx sobre a crescente exploração e o crescente empobrecimento foi ou não considerada válida, de acordo com o curso do desenvolvimento capitalista.

Qual é a contradição fundamental?

As várias frases da previsão fundamental de Marx de que a produção capitalista envolve uma categoria radicalmente diversa da simples troca de mercadorias até a teoria da acumulação capitalista apresentada no Capital, não precisam ser analisadas aqui. A exploração se processa "por trás do processo de troca"; esta é a previsão básica que marca a sua penetração além da crítica da sociedade burguesa como uma sociedade de mercado. Passamos agora a examinar até que ponto os Grundrisse justificam as afirmações de Marx sobre as novas realizações científicas, no seu Prefácio de 1859. Verificaremos se os Grundrisse fornecem alguma forma de esclarecimento sobre a famosa passagem do Prefácio arespeito da revolução. "Em certo estágio do seu desenvolvimento, as forças materiais da produção, na sociedade, entram em conflito com as relações de produção existentes, ou o que é apenas uma expressão legal da mesma coisa — com as relações de propriedade dentro das quais atuavam antes. De relações que desenvolveram as forças da produção essas relações tornaram-se agora seus grilhões. Vem então o período da revolução social."30
Embora haja ecos dessa passagem nos trabalhos anteriores, e uma no Capital,31são todas a nível muito geral. Não existe uma explicação clara sobre o que deve ser incluído sob a rubrica de "forças de produção" ou "relações de produção". Devemos interpretar "forças materiais de produção" apenas como o aparato tecnológico, e "relações de produção" como o sistema político legal? Em outras palavras, a frase "forças materiais" é apenas "outro modo de dizer "infra-estrutura", e "relações" significam "superestrutura"? Exatamente a que esses termos se referem?
O conceito básico para decifrar o pensamento de Marx ao se referir a "relações de produção" — para começarmos com essa metade da dicotomia — nos é dado no Prefácio. Marx escreve que as formas político-legais como relações de propriedade, não são "relações de produção" em si mesmas, mas apenas uma expressão dessas relações. A partir desse ponto, o texto dos Grundrisse pode ser visto como um comentário extenso e detalhado sobre a natureza dessas "relações". Pois, o capítulo sobre dinheiro é exatamente isso. Marx demonstra, como já vimos, que o dinheiro na sociedade burguesa não é apenas um objeto natural, mas a forma objetivada da relação social básica dentro da qual se processa a produção capitalista. O dinheiro é o vínculo social que une os produtores, de outra forma isolados, e os consumidores dentro da sociedade capitalista, e que forma o ponto inicial e final do processo de acumulação. A relação social na base de todas as relações capitalistas legais e sociais, e das quais a última é mera expressão —como Marx demonstra no capítulo sobre o dinheiro — é a relação de troca. É um imperativo social que nem a produção e nem o consumo podem ocorrer sem a mediação do valor de troca; ou, em outras palavras, que o capitalista deve, não apenas extrair o valor excedente, mas também realizar esse valor, convertendo o produto excedente em dinheiro, e que o indivíduo deve, não só necessitar as mercadorias, mas também possuir o dinheiro para comprá-las. Longe de serem leis naturais imutáveis, esses imperativos são caracterizados por Marx como relações sociais produzidas historicamente, específicas da forma capitalista de produção.
Quanto à outra parte da dicotomia, é fácil ser levado a falsas conclusões pela palavra "material", na frase "forças materiais de produção". Na verdade, o original alemão (materielle Produktikrafte) pode ser traduzido como "forças de produção material", e nos dois casos é evidente que o termo "material", para Marx, não se refere apenas aos atributos físicos de massa, volume e localização. Uma máquina é sempre uma coisa material, porém, o uso da sua capacidade produtiva, ou o fato de se tornar ou não uma força de produção depende da organização social do processo de produção, como Marx explica exaustiva. mente nos Grundrisse.32As forças de produção são um produto social e histórico, e o processo produtivo é para Marx um processo social. Este ponto deve ser enfatizado pura deixar claro que o fato de Marx atribuir grande importância ao papel do desenvolvimento da produção material não faz dele um determinista tecnológico. A base do processo de acumulação, do processo através do qual as forças de produção adquirem maior poder, é a extração do excedente valor da força de trabalho. A força de produção é a força de exploração.
É evidente, portanto, que a dicotomia formulada por Marx no Prefácio é idêntica à dicotomia entre os dois processos distintos que ele identifica como básicos para a produção capitalista, no Grundrisse: de um lado, a produção é um ato de troca, e do outro, consiste cm um ato oposto à troca. De um lado, a produção é uma troca comum de equivalentes, de outro, é uma apropriação forçada do poder criador do trabalhador. É um sistema social onde o trabalhador, como vendedor, e o capitalista, como comprador, são partes juridicamente iguais e livremente contratantes; e é ao mesmo tempo um sistema de escravidão e exploração. No começo e no fim do processo produtivo está o imperativo social dos valores de troca, porém, do começo ao fim o processo produtivo deve apresentar os valores excedentes. A troca de equivalentes é a relação social fundamental da produção, porém, a extração de não equivalentes é a força fundamental da produção. Esta contradição inerente ao processo da produção capitalista é a origem dos conflitos, que segundo Marx, criarão um período de revolução social.

O caminho para a revolução

O problema de como exatamente essa contradição levará à derrocada do sistema capitalista tem desafiado os estudiosos de Marx por quase meio século. O Capital não traz uma resposta precisa. Esta deficiência é a causa principal da "controvérsia sobre o desmoronamento" que agitou a Social-Democracia Alemã e que continua em debate. Verdadeiros rios de tinta foram gastos na tentativa de preencher essa lacuna no sistema teórico de Marx. Contudo, essa lacuna existe, não por ser o problema insolúvel para Marx, ou por não ter encontrado resposta, mas porque as conclusões às quais chegou nos Grundrisse estiveram inacessíveis aos estudiosos, até vinte anos antes da primeira guerra mundial. O Capital é uma obra que caminha lenta e cuidadosamente, das formas puras do relacionamento econômico, e vai passo a passo em direção à aproximação mais íntima com a realidade histórico-econômica; nada é pré-julgado e nenhuma nova teoria é introduzida antes que suas bases estejam estabelecidas. De qualquer modo, é fácil compreender que seriam necessários mais alguns volumes do Capital para que Marx chegasse ao ponto alcançado no seu sistema dos Grundrisse. O Capital lamentavelmente é uma obra inacabada, como um conto de mistério que acaba antes do crime ser resolvido. Mas os Grundrisse contém o plano completo do autor, como um todo.
Desde o começo, a economia dos Grundrisse é mais ambiciosa e mais diretamente relevante ao problema da derrocada do capitalismo do que a economia das outras partes do Capital. Neste, Marx relegou o relacionamento entre pessoas e bens de consumo (a relação de utilidade) a um plano com o qual não se preocupa no momento, e aceita o nível das necessidades do consumidor, que prevalece no sistema econômico, como um dado histórico pouco analisado na obra.33 De um modo geral, considera o consumo como certo, e concentra a sua investigação em saber como ocorre e não se realmente ocorre, a realização do excedente. Nos Grundrisse,porém, começa com a afirmação geral de que o processo de produção, considerado historicamente, cria, não só o objetivo de consumo, mas também a necessidade do consumidor e o tipo de consumo.34 Critica Ricardo especialmente por colocar o problema da utilidade na esfera extra econômica, e declara que a relação entre o consumidor e a mercadoria, por ser um produto da produção, pertence completamente ao campo da economia política.35 A prova de que está consciente dos aspectos qualitativos e quantitativos do problema de consumo está em trechos como este: "Incidentalmente... embora todos os capitalistas exijam que os seus trabalhadores economizem, ele quer dizer apenas os seus trabalhadores, porque relaciona-se com ele como trabalhadores; de modo nenhum isso se aplica aos outros trabalhadores, porque esse se relacionam com ele no papel de consumidores. Portanto, apesar de toda a exortação à frugalidade, procura por todos os meios estimular o consumo, fazendo os bens de consumo mais atraentes, enchendo seus ouvidos com seu falatório sobre as novas necessidades (neue Bedürfnisseihnen anzuschwatzen). É exatamente esse aspecto do relacionamento entre capital e trabalho que consiste uma força essencial de civilização, e na qual se baseia a justificação histórica —. mas também o poder contemporâneo — do capital.36
Essas observações gerais são então postas de lado, com uma nota lembrando que "esse relacionamento entre produção e consumo deve ser desenvolvido mais tarde".37 Cem páginas adiante, o assunto é retomado. Após uma crítica à omissão de Ricardo sobre o problema do consumo, e às panacéias utópicas de Sismondi contra a superprodução, Marx formula a contradição inerente ao capitalismo como uma "contradição entre a produção e a realização" do valor excedente. "Para começar, há um limite para a produção, não à produção em geral, mas para a produção fundada no capital... Basta demonstrar que o capital contém uma barreira específica contra a produção — que é uma contradição à sua tendência geral de quebrar todas as barreiras da produção — para expor as bases da superprodução, a contradição fundamental do capitalismo desenvolvido." Como se deduz das linhas que se seguem, Marx não significa por "superprodução" o simples "inventário do excesso", e sim o excesso de poder produtivo, de um modo geral.
Esses limites inerentes coincidem necessariamente com a natureza do capital, com os seus determinantes básicos. Esses limites necessários são:

1. trabalho necessário, como limite do valor de troca da força de trabalho existente, dos salários da população industrial;

2. valor excedente, como limite ao tempo-de-trabalho excedente; e em relação ao tempo de trabalho excedente relativo, como limite ao desenvolvimento das forças produtivas;

3. a mesma coisa, a transformação em dinheiro, em valor de troca, como tal, como um limite à produção; ou: troca baseada no valor, ou valor baseado na troca, como limite da produção. O que é mais uma vez.

4. a mesma coisa como restrição à produção dos valores de uso pelo valor de troca; ou: o fato de que a verdadeira riqueza deve tomar uma forma específica distante de si mesma, absolutamente não idêntica a ela, para se tornar um objeto de produção.38

Sem dúvida a análise das implicações dessas teses complexas exigiria um livro; porém, é evidente que esses quatro limites representam nada mais do que aspectos diferentes da contradição entre "forças de produção" e "relaçõcs sociais de produção". A tarefa de manter o poder imenso da extração do valor excedente dentro dos limites determinados pela necessidade de converter esse valor excedente em valor de troca torna-se cada vez mais difícil à medida que o sistema capitalista se move de um estágio para outro. Em termos práticos, esses quatro "limites" podem ser formulados como quatro alternativas político-econômicas relacionadas entre si, mas contraditórias mutuamente, entre as quais o sistema capitalista deve escolher, mas não pode escolher: 1. Os salários devem ser aumentados para aumentar a demanda efetiva; 2. Menor valor excedente deve ser extraído; 3. Os produtos devem ser distribuídos independente da demanda efetiva; 4. Os produtos que não podem ser vendidos não devem ser produzidos. A primeira e segunda alternativas têm como resultado uma redução do lucro; a terceira é uma impossibilidade, sob o ponto de vista capitalista (a não ser como uma medida política provisória); e a quarta significa depressão.

Trabalho excedente

O que é notável na teoria de Marx sobre a derrocada do capitalismo é a sua grande abrangência e flexibilidade. Crises cataclísmicas que vão num crescendo revolucionário, são apenas uma das variantes do processo de derrocada; na verdade, Marx dá pouca ênfase a esse tipo de crise, nos Grundrisse. Para cada tendência para a derrocada, Marx enumera diversas tendências contemporizadoras; essa lista inclui o desenvolvimento do monopólio, a conquista do mercado mundial, e menciona, significativamente o pagamento de "salários excedentes" pelos capitalistas aos operários.39 Considerando tudo isso, a teoria da derrocada, nos Grundrisse, é uma extensão da afirmação do Prefácio de que "nenhuma ordem social desaparece antes que todas as forças produtivas que contém tenham sido desenvolvidas."40 Quando se considera as exigências a serem atendidas, segundo Marx, antes que a ordem capitalista esteja madura para ser destruída, imagina-se se os movimentos revolucionários da Europa e dos Estados Unidos não devem o seu fracasso apenas à prematuridade.


"O grande papel histórico do capital é a criação do trabalho excedente, trabalho que é supérfluo do ponto de vista do mero valor de uso, da mera subsistência. Seu papel histórico é preenchido assim que (por um lado), o nível das necessidades se desenvolve a um grau em que o trabalho excedente aliado à subsistência necessária torna-se uma necessidade geral, que se manifesta na necessidade individual, e (por outro lado) quando a disciplina estrita do capital treinou gerações sucessivas para o trabalho sistemático, e esta qualidade tornou-se sua propriedade geral, e (finalmente) quando o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, os quais o capital, com seu impulso ilimitado de acumular e de realizar, estimula incessantemente, tenham chegado ao ponto em que a possessão e a manutenção da riqueza da sociedade já não exigem mais do que uma quantidade decrescente do tempo de trabalho, onde a sociedade trabalhadora relaciona-se ao processo de sua reprodução progressiva e à reprodução cada vez maior, de um modo científico; onde, por assim dizer, o trabalho humano que pode ser substituído pelo trabalho das coisas, tenha acabado."41

O que é digno de nota nesta longa sentença, entre outras coisas, é a afirmação de que a ordem capitalista não está madura para a revolução, enquanto a classe trabalhadora — em vez de ter sido reduzida ao nível de animais embrutecidos e miseráveis — não tenha expandido seu consumo acima do nível da mera subsistência física, e tenha incluído o aproveitamento dos frutos do trabalho excedente, como uma necessidade geral. Em lugar da imagem do proletário faminto, morrendo à míngua devido ao trabalho de dezoito horas diárias em uma mina, ou em outros lugares de exploração do homem, Marx apresenta um proletário bem alimentado, cientificamente competente, para o qual o dia de oito horas parece apenas uma perda de tempo. Em outra passagem, Marx dá-nos uma imagem do aparato produtivo capitalista mais automatizado do que em qualquer sociedade anterior, e escreve que, apesar da ausência virtual de uma ordem social da "classe trabalhadora", como geralmente é definida, esta organização econômica será destruída.


"Na medida em que a indústria em grande escala se desenvolve, a criação da riqueza verdadeira cada vez depende menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho dispendida, e cada vez mais do poder dos instrumentos usados durante o tempo de trabalho, cuja eficiência e força não estão relacionadas ao tempo de trabalho imediatamente gasto na sua produção, mas que dependem do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia... As grandes indústrias revelam que a riqueza verdadeira se manifesta, tanto na desproporção monstruosa entre o tempo de trabalho gasto e o seu produto, quanto na desproporção qualitativa entre o trabalho, reduzido a uma pura abstração, e o poder do processo produtivo o qual supervisiona. O trabalho já não é um elemento integral do processo produtivo; o homem age como supervisor e controlador do próprio processo produtivo. Coloca-se ao lado do processo produtivo, em lugar de agir como ator principal do mesmo. Com essa transformação, a viga mestra da produção e da riqueza não é nem o trabalho que o homem gasta diretamente, nem o tempo que dispende no trabalho, mas a apropriação do seu próprio poder produtivo coletivo, sua compreensão da natureza e seu domínio sobre a natureza, executado por ele como um corpo social — resumindo, é o desenvolvimento do indivíduo social. O roubo do trabalho de outra pessoa, sobre o qual a riqueza atual se apóia, parece uma base insignificante comparada à que foi criada pela indústria em grande escala. Assim que o trabalho, na sua forma direta, tiver deixado de ser a mola mestra da riqueza, o tempo de trabalho deixa de ser a sua medida, e portanto o valor de troca deixa de ser a medida do valor de uso... Com isso, o sistema de produção baseado no valor de troca, sofre um colapso... O capital é seu próprio processo de contradição, pois exige a redução do tempo de trabalho ao mínimo, afirmando ao mesmo tempo que o tempo de trabalho é a única medida e única fonte da riqueza. Assim, reduz o tempo de trabalho à sua forma necessária para aumentar a sua forma supérflua; assim, o trabalho supérfluo torna-se cada vez mais um pré-requisito —uma questão de vida ou morte — para o trabalho necessário. Portanto, de um lado anima todos os poderes da ciência e da natureza, da coordenação social e do intcrcâmbio, para que a criação da riqueza se torne independente (relativamente) do tempo de trabalho gasto. Por outro lado, quer usar o tempo de trabalho como uma medida para os poderes sociais gigantescos criados desse modo, e restringi-los aos limites necessários para manter os valores já criados, como valores. As forças produtivas e as relações sociais — que são lados diferentes do desenvolvimento do indivíduo social — são para o capital apenas meios, e só meios de produzir nas suas bases limitadas. Na verdade, entretanto, essas são as condições materiais necessárias para fazer suas bases em pedaços."42

Estas passagens. e outras semelhantes dos Grundrisse, demonstram mais uma vez, se forem preciso mais provas, que a aplicação da teoria de Marx não se limita às condições industriais do século dezenove. Seria uma teoria muito insignificante se fizesse a previsão do colapso da ordem capitalista quando essa ordem consistia apenas em trabalho do menor, exploração do trabalhador, fome, desnutrição crônica, doenças, e todas as outras maldições dos seus primeiros estágios. Não é preciso um gênio, e nem muito conhecimento científico para revelar as contradições dessa condição. Entretanto, Marx imagina o caso mais favorável ao sistema capitalista, vendo o sistema em pleno desenvolvimento de todos os poderes que lhe são inerentes — e então, expõe as contradições que o levarão ao colapso.

O Pivô Desconhecido

O aparecimento gradual dos Grundrisse e seu reconhecimento pelos estudiosos e seguidores de Marx deve ter uma influência muito estimulante. É um trabalho que, em muitos sentidos, sacode a estrutura estática das fórmulas e dos slogans aos quais grande parte do marxismo foi reduzido, após um século de esquecimento, noventa anos de democracia social, oitenta anos de "materialismo dialético", e setenta anos de revisionismo. Para falar mais claramente: os Grundrisse explodem a mente. Muitas das suas conclusões parecem inevitáveis.
Em primeiro lugar, esta obra torna impossível, ou pelo menos desesperadamente frustrante tentar a dicotomia do trabalho de Marx em "jovem" e "velho", em "filosófico" e "econômico". Os partidários de Hegel e os de Ricardo acharão a obra estimulante também, ou frustrante, pois o Grundrisse é, por assim dizer, a glândula pineal, através da qual esses dois grandes predecessores de Marx unem-se em osmose recíproca.43 Contém passagens que formulam idéias de Ricardo com a linguagem de Hegel e idéias de Hegel com a linguagem de Ricardo; o intercâmbio entre os dois é direto e profícuo. Embora não tenhamos examinado esse ponto em detalhe, o leitor dos Grundrisse encontrará uma linha direta de continuidade que remonta às idéias dos Manuscritos de 1844, e partindo da perspectiva dos Grundrisse parece muito claro se os manuscritos anteriores eram na verdade um trabalho filosófico, ou se constituem uma simples fusão do pensamento econômico e filosófico, para a qual não há precedente moderno. Assim também, da perspectiva dos Grundrisse, as partes muitas vezes "tecnicamente" obscuras do Capital revelam seu sentido mais amplo. Entre o Marx maduro e o jovem Marx os Grundrisse são o elo perdido.
Por outro lado, o fato de Marx fazer novas descobertas e aperfeiçoamentos no curso dos Grundrisse, põe cm evidência, para os estudiosos de Marx as deficiências econômicas dos primeiros trabalhos. Os Grundrisse contém o registro gráfico da descoberta e da sistematização da teoria do valor excedente, sobre o qual a sua teoria do colapso do capitalismo é construída. Se já não estivesse bastante claro, a leitura deste ensaio esclarece o fato de que a teoria do valor excedente não era um elemento funcional do modelo econômico sobre o qual o Manifesto se baseia. Marx, em 1848 tinha perfeito conhecimento da existência do excedente; apenas não conhecia ainda a importância desse elemento. Em outros escritos econômicos anteriores, (A Miséria da Filosofia e Trabalho Assalariado e capital) há evidência de que Marx conhecia a teoria do valor excedente de Ricardo, mas esses trabalhos demonstram também que a teoria do valor excedente não se tinha tornado ainda uma parte funcional do modelo econômico sobre o qual Marx baseava as suas predições. A teoria de Marx dos salários e lucros, por exemplo, é uma função de um modelo de oferta-procura do sistema econômico; e é preciso reexaminar essa antiga teoria, criticamente, à luz do modelo posterior do valor excedente. Pelo menos em uma área importante, a questão da polarização das classes, pode ser demonstrado que a profecia do Manifesto é explicitamente contestada por Marx com base na teoria posterior do valor excedente.44 Quantas outras discrepâncias iguais a essa existem, e quantas delas podem ser referidas às diferenças entre o primeiro modelo de mercado e o modelo de valor excedente, é uma questão que deve ser examinada, não apenas por ela mesma, mas para esclarecer a confusão que geralmente se cria quando se pergunta o que exatamente Marx dizia sobre a questão do empobrecimento crescente, por exemplo.
Donde se conclui que o mais importante manifesto político marxista está ainda por ser escrito. Exceto pela breve Crítica do Programa de Gotha (1875) não existe nenhuma exposição política programática baseada na teoria do valor excedente, que incorpore a teoria do colapso do sistema capitalista como aparece nos Grundrisse. Não existem motivos para rejeitar o Manifestode 1848 como um todo; porém todas as suas teses e opiniões devem ser submetidas a um exame crítico à luz da teoria do valor excedente de Marx. Muitas surpresas podem aparecer, se uma edição do Manifesto for publicada contendo anotações completas e detalhadas das últimas obras, ponto por ponto, linha por linha. Evidentemente a teoria do valor excedente é essencial para o pensamento de Marx; pode-se até mesmo dizer que, com as suas ramificações é a teoria de Marx. Contudo, quantos grupos políticos "marxistas" e quantos críticos "marxistas", de Marx, fazem da teoria do valor excedente o ponto de partida da sua análise? O único trabalho contemporâneo importante no qual essa teoria desempenha um papel principal é Monopoly Capital (Capitalismo Monopolista), de Baran e Sweezy.45 Apesar das deficiências, essa obra mostra a direção marxiana correta e forma a base indispensável para o tipo de análise que deve ser feito da teoria do capitalismo de Marx, para reafirmar a sua relevância política.
Infelizmente, em muitos outros pontos, Monopoly Capital termina com a conclusão (ou talvez, para ser mais preciso, começa com o pressuposto) de que a revolução doméstica, dentro dos países capitalistas avançados não é ainda previsível. Este argumento pode e deve ser confrontado com a tese de Marx, nos Grundrisse, de que todos os obstáculos à revolução, como os citados por Baran e Sweezy, ou seja monopólio, conquista do mercado mundial, tecnologia avançada e uma classe trabalhadora mais próspera do que a do passado, são apenas os pré-requisitos que fazem a revolução possível. Assim também, não se pode dizer que a visão de Marx da contradição central do capitalismo, como afirma nos Grundrisse, tenha sido completamente explorada e aplicada a uma sociedade capitalista existente; neste ponto, Monopo!y Capital falha seriamente. Os resultados dessa análise deveriam conter também algumas previsões surpreendentes. Resumindo, muito há ainda por fazer.
Esta é, podemos concluir, a mais importante conclusão que se pode tirar dos Grundrisse. Devido ao fato do seu trabalho acentuar as deficiências das suas primeiras obras sobre economia e colocar em relevo a natureza fragmentária do Capital, pode servir como uma lembrança poderosa de que Marx não era um vendedor de verdades pré-fabricadas, e sim um fabricante de ferramentas. Ele não chegou a completar a execução do seu plano. Mas, os projetos da alavanca que construiu para erguer o mundo foram afinal publicados. Agora que a obra prima de Marx veio à luz, a construção do marxismo como uma ciência social revolucionária, que expõe a sociedade industrial mais avançada até as suas raízes, é afinal uma possibilidade prática.

Notas

1- Cf. o Prefácio da Crítica da Economia Política. Com uma exceção, usei a edição da Werke de Marx e de Engels, publicada por Dieta, Berlim, de 1962 a 1967. O Prefácio aparece em Werke, v. 13, pp. 7-11 (W13:7-11). Existe uma tradução para o inglês em Marx-Engels Selected Works, V. I, pp. 361-5.
2 - Citado em Maximillien Rubel, Karl Marx, Essai de Biographie Intelectuelle, Marcel Riviére, Paris, 1957, p. 10.
3 - Cf. Paul Sweezy, The Theory of Capitalist Development, Monthly Review Preess, New York, 1942, p. 202.
4 - Marx, Grundrise der Kritik der Politischen Okonomie (Rohentwurf)
5 - Maximilein rubel, "Contribuition à l'histoire de la genèse du Capital", in Revue d'Histoire économique et sociale, II, 1950, p. 168.
6 - Lawrence e Wishart, Londres; International Publishers, New York.
7 - André Gorz, Strategy for Labor, Beacon Press, Boston, 1967 pp. 128-30; Herbert Marcuse, One-Dimenscional Man, Beacon Press, Bostono, 1964, pp. 33-6. 
8 - Karl Marx, Les Fondements de La Critique de l' Economie Politique (Grudrisse), 2 vol.s Editions Antropos, Paris, 1967.
9 - Grundrisse, p. xiii; cf. também Marx para Engels, janeiro, 14, 1858: "Estou trabalhando em um estudo interessante. Por exemplo, consegui demolir toda a doutrina do lucro, como existiu até agora". Selected Correspondence, Londres e New York, 1942, p. 102.
10 - Engels, "Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonome", Wi: 499-524, e, como um apêndice à Economic-Philoshophical Manuscripts, de Marx, trad., Milligan, Londres e New York.
11 - Os Manuscritos de 1844 são publicados apenas como um volume complementar da edição da Werke. A referência aqui citada é da tradução de Bottomore, em Marx, Early Writings, Londres, 1963, p. 187.
12 - W4: 161 e Poverty of Philosophy, Londres, New York, p. 149.
13 - W4: 474 e Marx-Engels, Selected Works, I, p. 45.
14 - W4: 455 e Poverty of Philosophy, pp. 215-16.
15 - W6: 397-423 e Selected Works, I, p. 79-105; ver também W6: 535-56.
16 - Ver o prefácio de Engels à primeira reedição de 1981 do Wage-Labour and Capital, W6: 593-9 e Selected Works, I, pp. 70-8.
17 - Capital, III, W25:219, tradução inglesa, Londres e New York, 1962, p. 205.
18 - Citado em Rubel Biographie Intellectuelle, p. 119.
19 - W4: 98-105 e Poverty of Philosophy, pp. 69-79.
20 - W6: 409-10 e Selected Works, I, pp. 91-1.
21 - Ver Grundrisse, pp. 787-92, 829.
22 - Grundrisse, p. 18 e R: 20.
23- Ibid., pp. 76-6 e R: 36-8.
24 - "A análise do que realmente é a verdadeira competição livre é a única resposta lógica à glorificação da mesma pelos profetas da classe média ou à oposição que lhe fazem os socialistas". Ibid, p. 545, e R: 198.
25 - Ibid., pp. 153, 158, e R. 47, 53.
26 - Ibid., p. 185.
27 - Ibid. , pp. 185-6.
28 - Cf. Ibid., pp. 193-4 e R: 66. Para "controle" e "disponibilidade" ver pp. 193, 195, 201, etc., ou R: 66, 67, 73, 89 etc.
29Ibid., pp. 241, 215 e R: 88, 89.
30 - W13: 9 e Selected Works, I, p. 363.
31 - W2: 181 e Poverty of Philosophy, p. 174, Manifesto, w4: 467 e Selected Works, I, pp. 39; Capital, I, W23: 794 e Capital, I, Londres e New York, p. 763.
32 - Grundrisse, pp. 169, 216, 579 etc. e R: 89-90.
33 - Capital I, W23: 49-50, Sect. 1, p. 1.
34 - Grundrisse, pp. 13-18 e R: 14-18.
35 - Ibid., pp. 178-9 n., 226-7, 763.
36 - Ibid. p. 198 e R: 71.
37 - Ibid.
38 - Ibid., pp. 318-19. Um modelo com cinco elementos de um sistema capitalista fechado, do qual Marx deduz a impossibilidade de expansão da produção devido à impossibilidade da realização, aparece nas páginas 336-47. Mais sobre a realização, nas páginas 438-42 (R: 174-6) e em outros trechos.
39 - Ibid., p. 341.
40 - 13: 9 e Selected Works, I.
41 - Grundrisse, p. 231 e R: 91.
42 - Ibid., pp. 592-4 e R: 209-11.
43 - Os editores elaboraram um índice completo de todas as referências diretas ou não a Hegel, bem como um índice de Marx dos trabalhos de Ricardo.
44 - Cf. Martin Nicolaus, "Hegelian Choreography and the Capitalist Dialectic: Proletariat and Middle Class in Marx", in Sutdies on the Left, VII: 1, jan-fev., 1967, pp. 22-49.
45 - Paul Baran e Paul Sweezy, Monopoly Capital, Monthly Review Press, New York, 1966.
 
 
Texto obtido em:
Ideologia na ciência social - ensaios críticos sobre a teoria social.
Robin Blackburn (org.)
Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1982.
Fonte-Antivalor

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